domingo, 20 de março de 2016

Módulo 1.

Teoria Geral dos Fatos Jurídicos

1. Conceito: Em sentido amplo, fatos jurídicos são os acontecimentos que dependem ou independem da vontade humana, previstos na norma jurídica, em virtude dos quais nascem, se modificam, subsistem e se extinguem as relações jurídicas.

            As relações jurídicas, marcadas pela intersubjetividade, são relações sociais tuteladas pelo Direito.

2. Classificação:

Os fatos jurídicos em sentido amplo (lato sensu) podem ser naturais (independem da vontade humana) ou humanos (dependem da vontade humana).

            2.1. Fatos naturais, também denominados fatos jurídicos em sentido estrito (strictu sensu), são os acontecimentos que independem da vontade humana, ou seja, decorrem da natureza. Os fatos jurídicos em sentido estrito (strictu sensu) se subdividem em:

                        2.1.1. Fatos jurídicos em sentido estrito ordinários (morte, nascimento, maioridade, decurso de tempo - prescrição etc.).

                        2.1.2. Fatos jurídicos em sentido estrito extraordinários (terremoto, tempestade, inundação, enchente etc.).

            2.2. Fatos humanos são os acontecimentos que dependem da vontade humana, abrangendo tanto os atos lícitos como os ilícitos. Os fatos humanos se subdividem em:

                        2.2.1. Atos lícitos ou atos jurídicos em sentido amplo: são os atos humanos praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, também denominados pela doutrina como voluntários, uma vez que produzem efeitos jurídicos querido pelo agente. Os atos jurídicos em sentido amplo se subdividem em:

a) Atos jurídicos em sentido estrito (ou meramente lícitos). Em tais atos, os efeitos da manifestação da vontade estão predeterminados na lei. Exemplos: notificação, que constitui em mora o devedor; reconhecimento de filho; tradição; ocupação; uso de alguma coisa.

Assim, os atos jurídicos meramente lícitos ou em sentido estrito são manifestações da vontade obedientes à lei, porém geradoras de efeitos que a própria lei determina. As partes não podem através de suas vontade modificar os efeitos jurídicos que serão produzidos.

b) Negócios jurídicos. Nestes há uma composição de interesses mediante a criação de normas que objetivam regular tais interesses, harmonizando vontade que, na aparência, demonstram serem antagônicas. O negócio jurídico é uma declaração da vontade destinada à produção de efeitos queridos pelas partes. Pode haver ou não correspondência entre o desejado pelas partes e o determinado pela lei. Neste caso prevalecerá a vontade das partes, uma vez que a regra da norma é meramente supletiva, isto é, valerá somente na ausência da vontade. Exemplos: testamento (negócio jurídico unilateral na formação); contratos (negócio jurídico bilateral na formação).

2.2.1. Atos ilícitos, também denominados pela doutrina de involuntários, uma vez que acarretam consequências jurídicas alheias à vontade do agente. A prática de ato ilícito produz efeitos previstos em norma jurídica, como sanção, porque viola mandamento normativo.

O Código Civil de 2002 substitui a expressão genérica “ato jurídico” (art. 82, CC/1916) por “negócio jurídico” – art. 104, uma vez que somente os negócios justificam a pormenorizada regulamentação dos preceitos contidos no Livro III da Parte Geral. Contudo, o art. 185 determina que se apliquem, no que couber, aos atos jurídicos lícitos, as disposições disciplinadoras do negócio jurídico.

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Da representação.

1. Conceito

A representação se trata de relação jurídica mediante a qual certa pessoa se obriga diretamente perante terceiro, por meio de ato praticado em seu nome por um representante ou intermediário.

Desta forma, com exceção dos atos personalíssimos, os atos jurídicos podem ser praticados por intermédio da representação, uma vez, que, nos termos do art. 116 “A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado”.

Reza o art. 115 que os poderes de representação são conferidos pela lei ou pelo interessado. Tal artigo elenca duas das espécies de representação existentes no ordenamento jurídico: a legal e a convencional.

2. Espécies

A representação legal é aquela na qual a norma jurídica confere poderes para administrar bens alheios, como: os pais, em relação aos filhos menores (art.1634, V e 1690); os tutores, em relação aos pupilos (art. 1747, I) e os curadores, quanto aos curatelados (art. 1774).

A representação convencional ou voluntária é estabelecida na Parte Especial do Código (Contrato de Mandato - art. 653 ao art. 691). Art. 653. O mandato ocorre quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

Ressalte-se, ainda, que a representação pode se dar também por via judicial. Nesta espécie de representação o juiz nomeia determinadas pessoas para exercerem certos cargos em determinados processos (o síndico como representante da massa falida, no processo de falência; o inventariante como representante do espólio, na abertura do inventário etc.).

3. Prova da representação

Conforme disposto no art. 118, o representante tem o dever de provar às pessoas, com quem vier a contratar em nome do representado, não só sua qualidade, como a extensão de seus poderes, sob pena de responder pelos atos negociais que a estes excederem.

4 Efeitos da Representação

A representação produz efeitos, dentre os quais, o principal é o fato de que uma vez realizado o negócio jurídico pelo representante, o representando adquire direitos e obrigações. Os direitos são incorporados no patrimônio do representado. Por sua vez, as obrigações assumidas em nome do representado devem ser cumpridas, e por elas responde o seu acervo patrimonial.

5. Hipóteses de anulabilidade do negócio jurídico realizado via representação:

5.1. Negócio jurídico realizado pelo representante consigo mesmo, no seu interesse ou por conta de outrem (art. 117), salvo se a lei ou o representado permitir.

5.2. Substabelecimento da representação (art. 117, parágrafo único), salvo se o representado permitir.

5.3. Celebração do negócio jurídico pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento da outra parte. Caso o representante em conflito de interesses com o representado celebrar negócio jurídico, este poderá ser anulado no prazo decadencial de 180 dias, a contar da celebração do ato negocial ou da cessação da incapacidade.

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Modulo 2.

Negócio Jurídico

1. Conceito: Negócio Jurídico é uma norma concreta estabelecida pelas partes, cujo objetivo é produzir direitos e deveres. Ë no negócio jurídico que se revela o princípio da autonomia da vontade, ou seja, os sujeitos de direto podem autorregular os seus interesses legais, nos limites estabelecidos pela lei.

2. Origem: O negócio jurídico nasce da vontade humana, ou seja, pressupõe a presença de um elemento volitivo que se materializa numa declaração da vontade através da qual se realiza uma ação ou um ato, o qual está vinculado a uma intenção. Ressalte-se, ainda, que o princípio da autonomia da vontade é relativo, uma vez que é reduzido pela supremacia das normas de ordem pública (normas absolutamente cogentes). Nas últimas décadas verifica-se uma “publicização” do Direito Civil, com a evidência de muitas normas públicas no direito privado.

3. Declaração da Vontade

O que interessa para o Direito? A intenção ou a ação? Interessa para o Direito a vontade declarada, haja vista que somente a intenção não possui nenhum valor. Após a declaração da vontade a intenção será considerada. A declaração da vontade deve ser declarada por palavras (escritas ou não), gestos ou sinais. Pode ser, ainda, expressa ou tácita, sendo que o silêncio, juridicamente considerado, é nada. Via de regra, o silêncio é nada. O silêncio só terá valor quando houver indicação na norma.

Ex.: art. 539 – “O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita, ou não, a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo”.

Neste caso, o silêncio do donatário significa que aceitou a doação (manifestação tácita). Trata-se de exceção à regra de que o silêncio nada significa para o Direito.

A declaração da vontade pode ser receptícia (endereçada) ou não receptícia (não endereçada).

a) Declaração da vontade endereçada ou receptícia: Tal declaração é endereçada a pessoa determinada, seja com o propósito de levar-lhe o conhecimento da intenção do agente, seja com a finalidade de ajustar a declaração de vontade oposta com o objetivo de concretizar o negócio jurídico. Ex. proposta e aceitação (art. 427 e seguintes).

b) Declaração de vontade não endereçada ou não receptícia é aquela onde basta tão somente a manifestação do declarante, sem que tal declaração tenha que ser conhecida pela outra parte para a produção de efeitos jurídicos. Ex. seguro de vida em nome de terceira pessoa.

4. Classificação dos negócios jurídicos

4.1. Quanto à manifestação da vontade:

            a) Negócio Jurídico Bilateral é aquele negócio jurídico que reclama para a sua concretização a convergência de duas ou mais vontades, sendo que tais vontades determinarão o surgimento do negócio e a consequente produção dos efeitos almejados pelas partes. Ex.: contratos

            b) Negócio Jurídico Unilateral é aquele negócio no qual a sua concretização depende tão somente de manifestação da vontade de somente uma das partes. Ex.: testamento, promessa de recompensa.

4.2. Quanto às vantagens que produzem:

            a) Negócio Jurídico Oneroso é aquele onde em relação à vantagem obtida corresponde um sacrifício. Ex. compra e venda.

            b) Negócio Jurídico Gratuito é aquele onde apenas uma das partes suporta o sacrifício e a outra a vantagem. Ex. doação pura.

4.3. Quanto ao tempo da produção dos efeitos:

            a) Negócio Jurídico Inter Vivos – os efeitos serão produzidos durante a vida dos emitentes da vontade. Ex. compra e venda.

            b) Negócio Jurídico Causa Mortis – o pressuposto para a produção de efeitos jurídicos é a morte do emitente da vontade. Ex. testamento.

4.4. Quanto à solenidade:

            A forma do negócio jurídico pode ser ad solemnitatem (solene) e ad probationem tantum (não solene). Ressalte-se que, em relação à forma dos negócios jurídicos, vigora a regra geral: LIBERDADE DE FORMA. Entretanto, à vezes, a lei exige forma solene (ex.: compra e venda de imóvel – escritura pública, salvo se o valor do imóvel for inferior a 30 salários mínimos, cf. art. 108, além de registro no Cartório de Registro de Imóveis, cf. art. 1227). Se o negócio jurídico exigir forma solene, esta deve ser obedecida sob pena de nulidade absoluta, nos termos dos art. 104, III, cc. art. 166, IV.

4.5. Quanto à existência

            a) Negócio Jurídico Principal – existe por si só. Ex. contrato de locação entre locador e locatário.

            b) Negócio Jurídico Acessório – depende do principal. Ex. contrato de fiança entre o locador e o fiador não existe por si só, pois depende do contrato principal.

4.6. Quanto ao conteúdo

            a) Negócio Jurídico Patrimonial – o objeto da relação jurídica pode ser avaliado economicamente (direitos pessoais ou obrigacionais e direitos reais).

            b) Negócio Jurídico Extrapatrimonial – o objeto da relação jurídica não pode ser avaliado economicamente (direitos de família e direitos da personalidade).

4.7. Quantos aos efeitos

            a) Constitutivo - Ex Nunc – o negócio jurídico passa a ter efeitos a partir da conclusão. Ex. adoção, compra e venda.

            b) Declaratório - Ex Tunc – os efeitos do negócio jurídico retroagem à data que se operou o fato a que se vincula a vontade. Ex. reconhecimento de filho.

4.8. Quanto ao exercício dos direitos

            a) Negócios Jurídicos de Disposição – exercício amplo de direitos sobre o objeto. Ex. doação.

b) Negócios Jurídicos de Simples Administração – exercício de direitos restritos sobre o objeto, sem que haja alteração na sua substância. Ex. locação, mútuo.

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Interpretação e Requisitos do Negócio Jurídico

1. Interpretação

A declaração da vontade deve ser interpretada com a finalidade de buscar o sentido e o alcance das expressões. Reza o art.112 que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que o sentido literal da linguagem.

Assim, quando se interpreta a vontade leva-se em conta mais à intenção manifestada no contrato, não o pensamento íntimo do contratante.

Art. 113: Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

A boa-fé é presumida, a má-fé deve ser provada.

Art. 114: Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se restritivamente.

Nos contratos benéficos apenas um dos contratantes se obriga, enquanto o outro aufere um benefício (ex.: doação pura). Deve ter interpretação restrita pois importa renúncia de direitos.

Na parte especial do Código existem outras regras de interpretação: art. 423, 843, 819, 1899.

A interpretação do negócio jurídico pode ser:

a) Declaratória = expressa a intenção dos interessados

b) Integrativa - preenche lacunas por meio de normas supletivas, p.ex. costumes.

c) Construtiva - objetiva reconstruir o negócio com a finalidade de salvá-lo.

Exemplos de entendimento doutrinário e jurisprudencial relativo à interpretação dos negócios jurídicos:

- Nos contratos com palavras que admitem dois sentidos, deve-se preferir o que mais convier a sua natureza.

- Nos contratos de compra e venda, no que se refere à extensão do bem alienado, deve-se interpretar a favor do comprador. Nos contratos de compra e venda, as dúvidas são interpretadas contra o vendedor.

- As estipulações obrigacionais devem ser interpretadas de modo menos oneroso ao devedor.

- A interpretação do contrato de consumo será sempre a favor do consumidor – art. 47, CDC.

- Nas cláusulas duvidosas, prevalece o entendimento de que se deve favorecer quem se obriga.

2. Requisitos do Negócio Jurídico

2.1. Segundo o Prof. Sílvio Rodrigues, o negócio jurídico para ter validade e possuir eficácia deve preencher os seguintes requisitos:

·Elementos essenciais = vontade humana, idoneidade do objeto e forma.

Os elementos essenciais se referem à própria substância do negócio. Caso tais elementos não se apresentem ocorre a inexistência do negócio. Negócio jurídico inexistente não produz efeitos jurídicos.

a) Manifestação da vontade humana. Esta deve ser límpida. Se uma pessoa pratica qualquer ato jurídico em virtude de coação física, a vontade inexiste. Se o ato é praticado em face de coação moral, a vontade é viciada.

b) Idoneidade do objeto é diferente de ilicitude do objeto. Um objeto pode ser lícito, mas ser inidôneo para a relação jurídica em questão. Objeto idôneo é aquele que se presta para determinado fim. Por ex. A coisa fungível é objeto idôneo para figurar no contrato de mútuo (empréstimo de coisa fungível), mas não o é em relação ao contrato de comodato (empréstimo de coisa infungível)

c) Forma – como regra há liberdade de forma para a prática do negócio jurídico. Porém, determinados negócios reclamam forma solene. Por ex. O instrumento adequado para a transmissão da propriedade imóvel decorrente de um contrato de compra e venda é a escritura pública, salvo se o valor for inferior de 30 vezes o salário mínimo vigente (art. 108), que deve ser levada a registro no competente Cartório de Registro de Imóveis (art. 1227).

·Requisitos de Validade - agente capaz, objeto lícito e forma.

Tais requisitos determinam se o negócio é válido, ou seja, indicam a maior ou menor possibilidade de produzir efeitos jurídicos. Negócio jurídico válido é ato eficaz, ou seja, capaz de produzir a aquisição, modificação ou extinção de efeitos jurídicos.

a) Agente capaz – Relembre-se que a capacidade é a regra e a incapacidade, nos termos dos art. 3º e 4º é a exceção. Os absolutamente incapazes e os relativamente incapazes podem praticar os atos da vida civil, desde que devidamente representados, mediante o instituto da representação, no primeiro caso (absolutamente incapazes), e da assistência, no segundo (relativamente incapazes).

Saliente-se que a representação pode ser legal (pais, tutores e curadores); judicial (síndico é o representante da massa falida) ou convencional (decorrente de um contrato de mandato).

Ressalte-se que, outras vezes, para o negócio ter validade, necessária também a legitimação para a sua prática. A legitimação é relativa e se refere a determinadas pessoas, que em virtude de determinados vínculos, não podem praticar certos negócios, ou devem praticá-los sob certas condições impostas pela norma jurídica. Ex. Os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os demais descendentes e o cônjuge do alienante expressamente consintam. Sem o devido consentimento a venda é anulável – art. 496. Há a dispensa do consentimento do cônjuge, se o regime de bens for o da separação obrigatória. – par. único do art. 496.

b) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável – Nos termos do art. 104, II o objeto do negócio jurídico deve ser lícito (permitido pelo Direito) e possível. Saliente-se, ainda, que o objeto deve ser física e juridicamente possível. Ex. Não pode ser objeto de compra e venda um terreno na Lua (impossibilidade física). Não pode se objeto de compra e venda herança de pessoa viva - pacto corvina (impossibilidade jurídica). O objeto deve ser determinado, ou pelo menos determinável (ex.: obrigação de dar coisa incerta, que deve ser indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade - art. 243).

c) Forma – como regra há liberdade de forma para a prática do negócio jurídico. Porém, determinados negócios reclamam forma solene.

2.2. Conforme entendimento da Profa. Maria Helena Diniz, o negócio jurídico deve possuir os seguintes requisitos:

·Requisitos essenciais gerais = consentimento, capacidade do agente e objeto lícito e possível.

a) Consentimento é a anuência válida do sujeito a respeito do entabulamento de uma relação jurídica que versa sob determinado objeto

b) capacidade do agente (vide acima, item a - requisitos de validade do Prof. Silvio Rodrigues).

c) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável (vide acima, item b – requisitos de validade do Prof. Silvio Rodrigues).

·Requisitos essenciais especiais.

No contrato de compra e venda são requisitos essenciais especiais a coisa, o preço e o consentimento (art. 481).

Conclusão: os requisitos essenciais são aqueles imprescindíveis à existência do próprio negócio, uma vez que se referem à sua própria substância. A sua ausência determinará a inexistência ou a nulidade que pode ser absoluta ou relativa, quando será chamada de anulabilidade.

·Requisitos naturais = são as consequências jurídicas normais do negócio jurídico, as quais estão previstas na hipótese da lei, razão pela qual é dispensável qualquer menção a seu respeito no ato de vontade. Ex. No contrato de compra e venda as duas mais importantes consequências são o vício redibitório e a evicção. Vício redibitório é o defeito oculto da coisa que diminui o seu valor ou a torna imprópria para o uso a que se destina. Evicção é a perda da coisa em virtude de sentença judicial. A lei diz “só pode vender quem é dono e, mais, não se deve vender coisa com defeito oculto”. Entretanto, as partes podem, pela manifestação da vontade, diminuir, aumentar ou excluir as consequências naturais dos negócios jurídicos.

·Elementos acidentais = são aqueles que não sendo indispensáveis para a constituição do negócio jurídico podem existir para alterar as consequências jurídicas que ordinariamente produzem. Tais elementos são inseridos no negócio jurídico por intermédio de cláusulas e, desta forma, possuem a denominação de cláusulas acessórias acidentais (ou modalidades) dos negócios jurídicos. São eles: condição, encargo (modo) e termo.

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Ato jurídico lícito (em sentido estrito)

1. Introdução: O ato jurídico em sentido estrito é espécie de Fato Jurídico Lato Sensu e subespécie de Ato Jurídico Lato Sensu, este também denominado pela doutrina como Fato Humano. Desta forma, o ato jurídico em sentido estrito depende Vontade Humana.

2. Conceito

Conceito da Professora Maria Helena Diniz: “O ato jurídico em sentido estrito é o que gera consequências jurídicas previstas em lei e não pelas partes interessadas, não havendo regulamentação da autonomia privada”.

3. Classificação dos atos jurídicos em sentido estrito, segundo o Professor Orlando Gomes:

3.1. Atos jurídicos em sentido estrito materiais (ou reais) – a vontade humana atua e lhes dá existência imediata, sendo que não têm destinatários. Exemplos: a) ocupação (art.1263) b) fixação do domicílio (art. 70)

3.2. Participações – Tratam-se de atos jurídicos em sentido estrito consistentes em declarações para ciência ou comunicação de intenções ou fatos, sendo que têm destinatários. Exemplos: a) intimação (alguém participa a outra pessoa a intenção em exigir-lhe certo comportamento); b) interpelação (ato judicial ou extrajudicial praticado pelo credor para constituir o devedor em mora (art. 397, 2ª parte.

4. Semelhanças e diferenças entre ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico.

Tanto o ato jurídico em sentido estrito quanto o negócio jurídico são fatos jurídicos lato sensu que dependem da vontade humana, também denominados pela doutrina fatos humanos ou atos jurídicos em sentido amplo.

No ato jurídico estrito sensu a vontade humana não pode alterar os efeitos jurídicos que estão pré-fixados na norma jurídica. Exemplo: a lei civil garante o reconhecimento da paternidade (Lei 8.560/1992). Assim, o pai que vai ao Cartório de Registro Civil e solicita o assentamento da paternidade na certidão de nascimento do filho que deseja reconhecer, utiliza-se de uma prerrogativa da lei, mas não pode ampliar, nem restringir os efeitos da norma jurídica. O citado pai não pode dizer: reconheço o filho, mas o excluo da sucessão.

Por sua vez, no negócio jurídico vige o princípio da autonomia da vontade, ou seja, em regra, as partes podem ampliar ou restringir os efeitos da norma jurídica.

O art. 441 dispõe que a coisa recebida em virtude de contrato comutativo (ex. compra e venda) pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuam o valor. Tal artigo e os seguintes tratam dos vícios redibitórios - cláusula natural do contrato de compra e venda. Tal cláusula pode ser afastada pela vontade das partes, ou seja, o vendedor não se responsabiliza, em comum acordo com o comprador, pelos vícios redibitórios da coisa vendida. Saliente-se que na relação de consumo, tutelada pelo Código de Defesa do Consumidor, não pode haver o afastamento do vício, uma vez que o contrato é de adesão.

Conclusão

O ato jurídico em sentido estrito se trata de manifestação da vontade obediente à lei, geradora de efeitos que a própria lei determina. Assim, no campo de ato jurídico em sentido estrito, as partes não podem, por meio de suas vontades, modificar os efeitos jurídicos que serão produzidos.

Inversamente, o negócio jurídico se trata de manifestação da vontade destinada à produção de efeitos queridos pelas partes, podendo haver ou não correspondência entre o desejado pelas partes e o determinado pela norma. Nesse caso, prevalecerá a vontade das partes, uma vez que a regra disposta na norma jurídica é meramente supletiva. Lembre-se, a norma dispositiva, primeiramente, é permissiva (as partes podem dispor da vontade). Caso as partes não manifestem a vontade, valerá o disposto na regra, que é supletiva, ou seja, valerá somente na ausência de vontade.
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MODULO 3

Dos defeitos dos negócios jurídicos

Dos defeitos do negócio jurídico: Erro, Dolo, Coação, Estado de Perigo, Lesão (vícios de consentimento) e Fraude contra Credores.

Os vícios de consentimento provocam uma manifestação da vontade não correspondente ao íntimo e verdadeiro querer da pessoa que a manifestou. Há discrepância entre a vontade manifestada e a real intenção. No vício social isso não ocorre, haja vista que a vontade manifestada corresponde exatamente à intenção do agente. Tal vontade é manifestada com a intenção de prejudicar terceiros (credores).

IMPORTANTE: A simulação, antes tratada como vício social (conforme o revogado CC/1916), hoje é fator de nulidade absoluta, uma vez que objetiva iludir terceiros ou violar a lei. Está disciplinada no capítulo que trata da invalidade do negócio jurídico.

Os defeitos podem gerar a anulabilidade (nulidade relativa) – art. 171, II do negócio jurídico, sendo de quatro anos o prazo decadencial para pleitear a anulação, nos termos do art. 178, I e II.

Obs.: no casamento, o erro torna o negócio jurídico anulável no prazo decadencial de 3 (três) anos.

1. Erro – art. 138: É o estado da mente, que por defeito do conhecimento do verdadeiro estado das coisas impede uma real manifestação da vontade.

Erro = falsa percepção da realidade.

Ignorância = completa ausência de conhecimento.

Pergunta: Qualquer erro é erro capaz de viciar o negócio jurídico?

Resposta: Não, somente o erro substancial, escusável e real nos termos do art. 138, ou seja, aquele de tal importância que se fosse conhecida a verdade, o consentimento não se externaria, ou manifestar-se-ia de outra forma. O erro substancial é erro de fato por recair sobre circunstância de fato, ou seja, sobre qualidades essenciais da pessoa ou da coisa.

a) Hipóteses de erros substanciais – art.139

 Erro que interessa à natureza do negócio jurídico. Ex: o negócio jurídico pode ser oneroso ou gratuito. Há erro quando uma das partes pensa que está vendendo algo e a outra pensa que está recebendo em virtude de uma doação.

 Erro sobre o objeto todo do negócio jurídico. Ex: O comprador pensa que está comprando obra autêntica, mas é uma cópia.

 Erro sobre alguma das qualidades essenciais do objeto. A compradora pensa que está comprando um candelabro de bronze, mas, na verdade está comprando, por erro, um candelabro de latão.

 Erro sobre uma qualidade essencial da pessoa. Ex.: O testador deixa um bem, equivocadamente, a uma pessoa que imaginou ser seu filho natural.

 Erro de direito, desde que não implique recusa à aplicação da lei e seja o único ou principal motivo do negócio jurídico. João contra a importação de determinada mercadoria ignorando existir lei que proíba tal importação. A ignorância da lei pode ser alegada para anular o contrato, sem com isso se pretenda que a lei seja descumprida.

b) Erro acidental – o erro acidental diz respeito à circunstância acessória do objeto ou da pessoa, e, desta forma, não vicia o negócio jurídico. Ex: alguém compra uma casa pensando que a mesma tem quatro janelas frontais e, na verdade, o imóvel possui apenas três janelas frontais.

c) Falsa causa ou falso motivo – art. 140 – A falsa causa (ou motivo), em regra, não vicia o negócio jurídico, salvo se nele figurar expressamente, como razão essencial ou determinante, caso em que torna o negócio anulável. Ex: José, por testamento, deixa determinado bem para Maria Joaquina, que pensa ser sua filha natural. Manoel compra um estabelecimento comercial, tendo como condição primordial certo movimento que, posteriormente, verifica-se ser falso.

d) Os erros podem ocorrer de forma pessoal ou através de outros meios de comunicação – rádio, carta, televisão, etc. Nos termos do art. 141, havendo desavença entre a vontade declarada e a interna, o erro poderá ser alegado nas mesmas condições em que a manifestação da vontade pessoal.

e) Erro de Direito – é aquele relativo à existência de uma norma jurídica. A pessoa pode afirmar que uma norma existe e, na verdade não existe, ou ainda, afirmar que a norma não existe e, entretanto, ela existe. Só é admissível no caso já explicado do art. 139, III, ou seja, sendo a causa determinante do negócio e não implicando em recusa de aplicar a lei.

O art. 3º da LICC trata do Princípio da Obrigatoriedade da Lei a partir de sua publicação. Assim, a publicação da lei gera a presunção absoluta de seu conhecimento. “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Salvo a exceção do art. 139, III, o erro de direito NÃO é considerado como causa de anulação do negócio jurídico.

f) Erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração da vontade – art. 143.

g) O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação da vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante. Tal artigo protege, por exemplo, o vendedor, que não induziu o comprador em erro (seria caso de dolo) e é prejudicado com a anulação do negócio jurídico. Pode evitar a anulação, oferecendo-se para executar o contrato na conformidade da vontade real do manifestante.

2. Dolo – art. 145: É o artifício empregado para induzir alguém à prática de um ato prejudicial ao seu autor e que aproveita o autor do dolo ou terceira pessoa.

O erro é um ato espontâneo. A própria pessoa tem uma falsa percepção da realidade, ou seja, se engana. O erro é pessoal.

O dolo, por sua, vez, é um erro provocado por alguém. No dolo há a interferência de uma 3ª pessoas que cria uma situação onde a pessoa é levada ao equívoco. No dolo, a má-fé de 3ª pessoa está implícita.

a) Espécies de dolo

 dolus malus e dolus bonus

O dolus bonus é aquele tolerável, ou seja, não acarreta a anulabilidade do negócio jurídico. Tal espécie de dolo pode ser visualizada na conduta do vendedor que exalta as qualidades do produto. O dolus malus é aquele que gera ou poderá gerar a anulabilidade do negócio jurídico, uma vez que é praticado com o objetivo de prejudicar alguém. Esta espécie de dolo sempre decorre da utilização de manobras astuciosas com o fim primordial de prejudicar alguém.

Ressalte-se que a diferença entre o dolus malus e o dolus bonus deve ser analisada no caso concreto, submetido à apreciação do juiz, levando-se em conta a inexperiência e o nível de informação da vítima.

 Dolo principal (dolus causam) e dolo acidental (dolus incidens) – art. 146

O dolo principal é aquele que se revela como sendo a causa determinante do ato (ex. uma pessoa muito pobre é induzida a vender, por preço baixo, seu quinhão hereditário valioso). Por sua vez, o dolo acidental é aquele, que a despeito de sua existência, o ato seria praticado. Ex. José é fiador de seu irmão João num contrato de locação de um estabelecimento mercantil para venda de discos, que na verdade é utilizado para o comércio de discos piratas.

Conclusão: o dolo apto a gerar a anulabilidade do negócio jurídico deve ser o malus e principal. O dolo acidental, quando muito, pode gerar o dever de indenizar por perdas e danos.

 Dolo por ação (ou positivo) e dolo por omissão (ou negativo)

O dolo por ação é o dolo positivo, qual seja, se compõe de um artifício astucioso que se revela por afirmações falsas a respeito da qualidade da coisa.

O dolo por omissão também se compõe de manobras astuciosas que se revelam por ocultações sobre a qualidade de uma coisa, que uma vez conhecidas da outra parte impediriam que o negócio fosse concluído. Ex: o vendedor vende uma casa cheia de trincas e esconde, dolosamente, tal fato do comprador.

b) Dolo de terceiro – art. 148

Mário, ao sair de uma joalheria, encontra-se com seu amigo João e lhe diz:- Vi na joalheria um relógio de ouro, maravilhoso, preço campeão... não comprei porque não tinha dinheiro...

João vai até a joalheria e adquire o relógio. O dono da loja não tem conhecimento da conversa entre os amigos.

Nos termos do art. 148, CC, o dolo de terceiro, para acarretar a anulabilidade do negócio jurídico, exige o conhecimento de uma das partes contratantes. Não sendo o dolo de terceiro (Mario) conhecido pelo beneficiado (joalheiro) dará lugar a uma indenização (perdas e danos), por parte da vítima (João), contra o terceiro (João, mui amigo), autor do engano intencional.

c) Dolo do representante legal só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve. – art. 149, 1ª parte.

d) Dolo do representante convencional (contrato de mandato) – o representado responde solidariamente com o representante. – art. 149, parte final.          

e) Dolo bilateral – art.150

Princípio basilar do Direito: “A ninguém é dado alegar a própria torpeza para dela tirar proveito”. Se ambas as partes procederam com dolo, nenhuma delas pode alegar o dolo da outra para anular o ato, ou reclamar indenização. Ex: o vendedor induziu o comprador a comprar gato por lebre, sendo que o comprador escondeu maliciosamente o fato de ter 17 anos de idade.

Conclusão= um dolo anula o outro. Se ambas as partes procedem com dolo, não há boa-fé a defender.

3. Coação – art. 151: A coação está ligada à palavra violência, ou seja, alguém é obrigado a manifestar a vontade, sob pena de sofrer uma consequência danosa. Tal violência pode ser materializada de duas formas: violência física ou absoluta e violência moral ou relativa. A violência física significa ausência de vontade, ou seja, diante da violência física o ato inexiste.

Assim, a coação, como vício de consentimento, deve ser entendida como toda e qualquer pressão exercida sobre um indivíduo para determiná-lo a concordar com o ato. A coação exige a presença de violência na sua forma relativa, ou seja, a chamada violência moral ou psicológica, haja vista que se houver violência física não haverá manifestação da vontade, inexistindo o ato.

       

a) Pressupostos da Coação – art. 151

a.1. Causa do ato – o primeiro requisito para a configuração da coação é a relação de causalidade, ou seja, deve haver ligação causal entre a violência psicológica e a vontade declarada. Desta forma, deve ser utilizado o raciocínio da exclusão, ou seja, excluindo-se a violência moral (causa) e assim mesmo ocorre a manifestação da vontade, inexiste a causalidade.

a.2. Violência moral grave (considerável) – a pressão psicológica deve ser grave, isto é, a coação deve provocar temor que viciará a vontade. Assim, a ameaça de mal injusto deve ser revestida de gravidade suficiente. Se uma determinada situação será ou não considerada como grave, dependerá da análise das situações particulares da pessoa ameaçada, ou seja, o critério é concreto, analisado caso a caso, nos termos do art. 152.

a.3. Ameaça injusta – a ameaça deve ser injusta, ou seja, não se considerará como tal a ameaça que consiste em exercício regular de um direito – art. 153 (ex.: o locador ameaça cobrar os alugueres atrasados do inquilino, desde que não seja em público - constrangimento -, não se caracteriza como ameaça)

a.4. Ameaça atual e iminente – a ameaça deve estar por acontecer, não podendo ser pretérita, nem futura.

a.5. Justo receio de prejuízo – o prejuízo deve ser mais ou menos proporcional à manifestação da vontade. A ameaça de prejuízo pode se voltar contra a própria pessoa que manifesta a vontade, contra outras pessoas próximas (familiares) ou, ainda, em relação a determinados bens. Se a coação se der em relação a pessoa não pertencente à família do coagido, o juiz, com base, nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

Importante: o temor reverencial (receio de desgostar os pais ou obediência aos superiores na relação empregatícia), em regra, não gera a coação moral – art. 153, parte final.

b) Coação de terceiro – O ato que vicia a vontade pode ser do próprio interessado em viciá-la ou por conta de terceira pessoa. Assim como ocorre no caso de dolo, a coação de terceiro só vicia o ato se a pessoa a quem aproveita sabe que a anuência ou manifestação de vontade é viciada por coação.

4. Fraude contra credores – art. 158: A fraude contra credores ocorre quando devedor insolvente, ou na iminência de tornar-se insolvente, pratica atos suscetíveis de diminuir seu patrimônio, reduzindo desse modo a garantia que ele (patrimônio) representa para resgate de suas dívidas.

            A legislação brasileira exige para a caracterização da fraude contra credores, oriunda de atos de transmissão a título oneroso, a presença de um ato capaz de prejudicar o credor, quer por levar o devedor ao estado de insolvência, quer por ter sido praticado quando tal estado já existia. Deve, ainda, existir, a má-fé, ou seja, a intenção de afastar os efeitos da cobrança.

            Exemplo: a doação e a compra e venda são dois negócios jurídicos bilaterais na formação (contratos), nos quais pode ser dar a fraude contra credores.

       

            A doação pura é negócio jurídico gratuito e a compra e venda é negócio jurídico oneroso. Se o negócio jurídico é gratuito, não se questiona a presença de quaisquer requisitos, ou seja, a doação pode ser anulada.

       

            Em se tratando de compra e venda – negócio jurídico oneroso, é necessária a presença de dois requisitos:

 Requisito subjetivo = concilium fraudis – má fé – o devedor e a 3ª pessoa (comprador) devem ter a intenção de prejudicar os credores.

 Requisito objetivo = eventus damni – qualquer ato prejudicial ao credor por tornar o devedor insolvente ou por ter sido praticado num estado de insolvência.

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Módulo 4.

Dos defeitos dos negócios jurídicos – final.

5. Estado de Perigo – art. 156

Conforme disposto no art. 156, configura-se estado de perigo quando alguém, premido pela necessidade de salvar-se, ou salvar pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. O parágrafo único dispõe que em se tratando de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

O negócio jurídico efetivado em estado de perigo pode ser anulado, conforme disposto no art. 171, II. O prazo decadencial para se pleitear a anulação do negócio jurídico, nos termos do art. 178, II, é de quatro anos, do dia em que se realizou.

Exemplos de negócios jurídicos celebrados em estado de perigo: Alguém que, para pagar uma cirurgia urgente de pessoa da família, vende seu carro ou sua casa por preço vil; o doente que, em perigo de vida, paga honorários exorbitantes ao médico cirurgião para salvá-lo; o pai que, tendo seu filho sequestrado, vende joias a preço muito inferior ao do mercado para pagar o resgate, etc.

Para que exista possibilidade do negócio jurídico ser anulado, a outra parte deve ter conhecimento do estado de perigo, aproveitando-se da situação. O perigo pode não ser real, mas o declarante deve acreditar que seja. Contudo, havendo perigo real e a pessoa o ignorar, ou entendê-lo como não sendo grave, não se configura o defeito de consentimento.

6. Lesão – art. 157

Nos termos do art. 157, ocorre a lesão quando uma pessoa assume ônus desproporcional, por necessidade ou inexperiência, ou seja, uma pessoa se obriga a uma prestação manifestadamente desproporcional ao valor da prestação oposta. Conforme art. 157, § 1º, a proporção deverá ser apreciada segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. Dispõe o art. 157, § 2º, que não haverá decretação da anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

A lesão é, pois, o prejuízo que uma das partes sofre na conclusão de um contrato comutativo, em razão da desproporção existente entre as prestações dos contraentes, sendo que uma das partes, abusando da premente necessidade ou inexperiência da outra parte, obtém lucro exorbitante ou desproporcional ao proveito da prestação.

Exemplo: Uma pessoa encontra-se prestes a ser despejada do imóvel onde reside na qualidade de locatário. Diante de tal situação procura outro imóvel, cujo proprietário cobra um aluguel muito elevado. Diante da necessidade de ter onde morar e abrigar sua família, tal pessoa, perdendo a noção do justo valor da locação é levada a efetivar o contrato de locação que lhe é desfavorável.

Saliente-se que o defeito do negócio jurídico decorrente da lesão dispensa a verificação do dolo da parte que tirou proveito com a lesão. A regra ordena a anulabilidade do ato negocial (art. 171, II) ou a possibilidade da parte favorecida concordar com a redução do proveito (art. 157, § 2º). No exemplo acima, o locador pode concordar em diminuir o aluguel. O prazo decadencial para a anulação do negócio jurídico celebrado com o defeito da lesão é de quatro anos, conforme disposto no art.178, II, contados da data da celebração do contrato.

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Simulação - Causa de Nulidade

art.166 ao art.167

No Código Civil de 2002, a simulação é retirada do Capítulo relativo aos defeitos dos negócios jurídicos, passando a ser considerada como causa de nulidade absoluta.

A simulação é uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeitos diversos dos ostensivamente ostentados. A simulação requer um ajuste de vontade entre as partes contratantes visando obter efeito diverso daquele que o negócio aparenta conferir.

Duas são as espécies de simulação: absoluta e relativa

Na simulação absoluta, as partes não têm a intenção de celebrar o negócio, mas fingem celebrá-lo para criar uma ilusão externa.

Exemplo: Pedro tem um patrimônio que é a garantia dos credores. Pedro está preste a separar-se judicialmente de sua esposa. Pedro celebra um negócio fictício (o negócio inexiste) com um amigo João. Devido a tal negócio fictício, Pedro fica com o patrimônio negativo, uma vez que “pagou” a sua dívida. Finalidade da simulação absoluta – prejudicar a esposa na futura separação judicial, subtraindo-se da partilha dos bens do casal.

Na simulação relativa, ocorre a existência de um negócio jurídico entre as partes que, porém, prejudica terceira pessoa, ou viola imperativo legal. Assim, para despistar o efetivo negócio, as partes fingem celebrar outro negócio. Na simulação relativa observa-se a presença de dois negócios: o aparente (simulado) e o oculto (dissimulado).

Exemplo: A lei proíbe a doação para amantes, ou seja, tal negócio jurídico pode ser anulado. João, casado, quer doar um carro para sua amante Rafaela. Devido a proibição legal, João faz um contrato de compra e venda com Rafaela e lhe transfere a propriedade do carro.

Negócio simulado = compra e venda

Negócio dissimulado = doação.

Reza o art. 167, que é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma Assim, embora o Código Civil de 2002 não faça distinção entre a simulação absoluta e a relativa, pela interpretação do art. 167, 2ª parte, entende-se que a simulação absoluta é nula, mas na relativa, o negócio dissimulado pode ser nulo ou válido (se válido for na substância e na forma).

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MÓDULO 5

Das modalidades

(elementos acidentais dos negócios jurídicos)

Condição – Encargo - Termo

art. 121 ao art. 137

1. Introdução

Além dos elementos essenciais, que constituem requisitos de existência e de validade do negócio jurídico, pode este conter outros elementos meramente acidentais, introduzidos pela vontade das partes.

Os elementos acidentais também são conhecidos como modalidades dos negócios jurídicos, uma vez que modificam os efeitos normais dos mesmos. São considerados, pois, cláusulas acessórias que introduzidas no negócio jurídico modificam os efeitos que normalmente produziriam.

Tais elementos acidentais somente são admitidos nos atos jurídicos de natureza patrimonial, com algumas exceções, e não podem ser inseridos em atos jurídicos de caráter extrapatrimonial. Exemplo: o reconhecimento de um filho não admite condição.

2. Conceito

Elementos acidentais são aqueles que não sendo indispensáveis para a constituição do negócio jurídico podem existir para alterar as consequências jurídicas que ordinariamente resultariam.

3. Requisitos

3.1. Vontade: o elemento acidental exige, em regra, a manifestação da vontade das partes (negócio jurídico bilateral na formação) e, excepcionalmente, a manifestação de apenas uma vontade (negócio jurídico unilateral na formação).

3.2. Licitude: o elemento acidental deve ser lícito. Exemplo: incabível uma doação de uma casa com o encargo de se construir um prostíbulo.

3.3. O elemento acidental não pode ser da essência do negócio jurídico. Ex: a venda de um terreno somente produzirá efeitos após a lavratura da escritura pública e do competente registro no Cartório de Registro de Imóveis. Tal cláusula não é elemento acidental, uma vez que é da essência do negócio jurídico da compra e venda de imóveis (forma prescrita em lei – art. 104, III).

4.Espécies: condição, termo e encargo (ou modo)

4.1. Condição – art. 121, CC “Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”.

Trata-se de eficácia, ou seja, maior ou menor possibilidade que um ato tem de produzir efeitos jurídicos. A condição condiciona a eficácia de um ato a um evento futuro e incerto.

4.1.1. Requisitos da condição: futuridade e incerteza.

4.2.2. Classificação das condições:

a) Quanto à possibilidade (art. 123 e 124)

A condição deve ser jurídica e fisicamente possível. Se for impossível e resolutiva, tem-se por inexistente. Se for impossível e suspensiva, invalida o negócio a ela subordinado.

Exemplos: Dar-te-ei um carro se tocar a lua com os dedos, sem tirar os pés do chão. A condição é fisicamente impossível e resolutiva, portanto, tida como não escrita. O negócio a ela subordinado permanece. Dar-te-ei um carro se você matar fulano. A condição é juridicamente impossível e suspensiva, e invalida o ato jurídico a ela subordinado.

b) Quanto à licitude (art. 122)

São lícitas, em geral, todas as condições as quais a lei não vedar expressamente. Entre as condições proibidas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes.

Exemplo: Num processo de divórcio, o imóvel do casal foi doado aos filhos, sendo que a mulher ficou com o usufruto. Se tiver a seguinte condição “só poderá continuar morando no imóvel se não se casar de novo”, ela é considerada ilícita. Aqui de trata de uma restrição absoluta. Entretanto se a restrição for relativa, a condição é lícita – “só poderá continuar morando no imóvel se não se casar com Pedro”.

c) Quanto à natureza

A condição não pode ser necessária à existência ou validade do negócio jurídico e deve ser voluntária, haja vista que deve nascer da vontade das partes ou de apenas uma vontade.

Quanto à participação da vontade (ou quanto à fonte)

d.1.) Condição causal – O implemento da condição depende do acaso, do alheio ou do fortuito. Trata-se de condição válida, mas não usual. Ex: Dar-te-ei um carro se chover durante 2 meses.

d.2.) Condição potestativa – Decorre da vontade de uma das partes, ou seja, os efeitos do negócio jurídico subordina-se à vontade de uma das partes que pode impedir ou permitir sua ocorrência.

A condição potestativa pode ser: puramente potestativa (art. 122, parte final) ou simplesmente potestativa.

Exemplo de condição puramente potestativa (VEDADA): O contrato de locação será renovado se o locador assim o quiser.

Exemplo de condição simplesmente potestativa (PERMITIDA): O contrato de locação será renovado se não se encontrar outra casa nas mesmas condições.

Assim, a condição puramente potestativa depende exclusivamente do arbítrio de uma das partes, sendo vedada. Por sua vez, a condição simplesmente potestativa depende um pouco da vontade e subordina-se, também, a uma situação externa, não sendo vedada.

d.3.) Condição mista – É aquela que depende da vontade de uma das partes, bem como da verificação de outra situação qualquer. Ex: Se você for ao Japão te dou meu carro. Depende da vontade e também da situação financeira.

e) Quanto ao modo de atuação: suspensiva e resolutiva

e.1.) Condição suspensiva –

Necessária a ocorrência de um evento futuro e incerto para que o negócio produza seus efeitos (ou tenha eficácia) O direito não será adquirido enquanto não se verificar a condição suspensiva (art. 125).

e.2.) Condição resolutiva –

A condição resolutiva extingue ou resolve o direito transferido pelo negócio, ocorrido o evento futuro e incerto. Assim, o negócio produz seus efeitos (tem eficácia) até o implemento do evento futuro e incerto (art. 127).

Importante: o implemento da condição suspensiva produz efeitos ex tunc, ou seja, os efeitos retroagem à data da constituição do negócio jurídico.

Por sua vez, a condição resolutiva produz efeitos ex nunc, ou seja, a partir do implemento da condição, o negócio jurídico se extingue ou resolve.

4.2. Termo – art.131    

Por termo endente-se o início ou o fim da eficácia de um negócio jurídico, ou seja, o dia do início ou do fim de sua eficácia. O termo é um evento futuro e certo.

O termo inicial ou suspensivo é denominado Dies a quo e o termo final ou resolutivo é denominado Dies ad quem.

O termo pode nascer da vontade das partes, denominado termo convencional, ou da vontade da lei, denominado termo legal.

Saliente-se também que existe a possibilidade da ocorrência do termo de graça, que consiste na dilação do prazo concedido pelo credor ao devedor.

O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito (art. 131). Difere da condição, pois esta suspende o exercício e a aquisição do direito. O termo só protela o exercício do direito.

Prazo: é o período de tempo transcorrido entre a manifestação da vontade e o advento do termo. O prazo engloba os dois termos – inicial e final.

Civilmente falando, a contagem do prazo exclui-se o dia do começo e inclui-se o dia do fim do ato jurídico. Caso o dia do termo final caia em feriado ou dia não útil, estará automaticamente prorrogado para o dia seguinte.

Em se tratando de relação jurídica obrigacional, o prazo é fixado, em regra, em favor do devedor.

4.3. Encargo (ou modo) – art. 136 e 137.

É a cláusula acessória que tem por finalidade limitar a liberalidade, quer por impor o destino do objeto da relação jurídica, quer por impor uma contraprestação.

O encargo é cláusula acessória comum nos negócios jurídicos gratuitos, também denominados de liberalidades.

Diferentemente da condição suspensiva e do termo inicial, o encargo não impõe gravame à aquisição e ao exercício do direito.

Desta forma, aberta a sucessão, a posse e o domínio são transmitidos desde logo aos herdeiros, com a obrigação de cumprir o encargo a eles imposto.

Caso o encargo não seja cumprido, a liberalidade poderá ser revogada. Saliente-se, ainda que o encargo pode ser exigido.

Exemplo: a doação é um típico contrato unilateral nos efeitos, cuja característica é a irrevogabilidade. Entretanto este rigor é afastado em duas situações: ingratidão do donatário e não implemento do encargo pelo donatário. Assim, o não cumprimento do encargo pode gerar a revogação da doação modal.
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MODULO 6

Da Invalidade do Negócio Jurídico

O negócio jurídico é um ato de vontade que produz os efeitos na ordem civil. Todo negócio jurídico deve apresentar os requisitos essenciais gerais (art. 104, CC) e especiais (respectivos a cada espécie de negócio jurídico). Os requisitos naturais são implícitos e requisitos acidentais são inseridos para modificar os efeitos do ato jurídico.

Pergunta: Qual a consequência da inobservância de algum dos requisitos essenciais do negócio ou do ato jurídicos?

Resposta: Nulidade absoluta (nulidade) ou nulidade relativa (anulabilidade).

Conceito
Nulidade, em sentido amplo, é a declaração legal de que a determinados atos não se prendem os efeitos jurídicos normalmente produzidos por atos semelhantes.

A declaração da nulidade absoluta ou da relativa depende de manifestação do poder judiciário (sentença). Logo, há necessidade de provimento judicial (processo).

Conforme Maria Helena Diniz, a nulidade vem a ser a sanção, imposta pela norma jurídica, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado em desobediência ao que se prescreve.

2. Espécies

Art. 166 ao art. 171 = nulidade absoluta

Art. 171 ao 184 = nulidade relativa

3. Sentenças e seus efeitos

A sentença decorrente da ação de nulidade absoluta é declaratória e os efeitos são ex tunc, ou seja, retroagem desde a celebração do negócio jurídico. Os efeitos da sentença declaratória são ex tunc e erga omnes.

A sentença decorrente de ação de nulidade relativa é constitutiva e os efeitos são ex nunc, não retroagem, passando a valer desde a sentença. Os efeitos passados (da celebração do negócio até a sentença) são mantidos. Os efeitos da sentença constitutiva são ex nunc e relativos entre as partes.

4.Quem pode alegar as nulidades?

a) nulidade absoluta: qualquer pessoas, o Ministério Público e o Juiz (pode conhecer de ofício) – 168 e parágrafo único

b) nulidade relativa: somente as partes interessadas podem alegar. Se o sujeito for incapaz, o representante legal também pode alegar. - art. 177 , 2ª parte.

5.Ratificação

A ratificação é a renúncia da parte em buscar a nulidade do ato praticado com a inobservância dos requisitos legais.

A ratificação só é possível em se tratando de nulidade relativa (ex.: relativamente incapaz; vício de consentimento).

A ratificação pode ser expressa (manifestada de forma clara) e tácita (ex.: o filho de 17 anos faz um negócio sem assistência do pai. A rigor o negócio pode ser anulado. Porém se o pai começar a pagar as prestações do filho, ocorre a ratificação tácita - renúncia em se buscar a anulabilidade do negócio).

Prescrição e decadência
Nulidade absoluta: ação imprescritível.

Nulidade relativa: art. 178, I,II e III e art. 179 – prazos decadenciais para se pleitear a anulação de negócios jurídicos.

Ato inexistente
Um ato é inexistente quando desprovido dos elementos mínimos para a estrutura do atos.

Ex: O caso é a união de duas pessoas de sexos diversos. Casamento de pessoas do mesmo sexo é ato inexistente. Outro ex: Brincar de casar: juiz de paz falso, janelas não aberta, não habilitação, etc. = ato inexistente.

Incapazes
O relativamente incapaz pode praticar atos da vida civil, desde que assistido, salvo atos e negócios jurídicos que possa (por determinação legal expressa) praticar independentemente de assistência (ex.: ser testemunha, votar, etc.).

Art. 180 - A proteção que o Código confere ao relativamente incapaz não incide se o menor oculta sua idade quando requerido pela outra parte, ou quando espontaneamente esconde a idade. Há necessidade de dolo do menor.

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Forma e Prova do Ato Jurídico

Forma

1. Conceito

Forma é o conjunto de solenidades, que se devem observar para que a declaração da vontade tenha eficácia jurídica. Assim, a forma consiste na maneira pela qual a vontade se exterioriza no sentido de conseguir a produção de efeitos jurídicos.

2. Regra = forma livre

Vigora a liberdade de forma, verbal ou escrita, por instrumento público ou particular. Só será exigida forma especial quando o negócio jurídico assim o exigir (art. 104, CC). Caso o negócio jurídico exija forma especial a mesma deve ser observada sob pena de nulidade (art. 166, IV, CC).

3. Finalidades da observância da forma

3.1. Garantir a autenticidade do ato.

3.2. Assegurar a livre manifestação da vontade.

3.2. Facilitar a prova.

3.3. Chamar a atenção das partes para a seriedade do ato jurídico.

4. Espécies de forma

4.1. Forma livre: a vontade pode ser exteriorizada através de qualquer modo ou meio.

4.2. Forma especial ou solene

·a forma especial pode ser única ou plural (ex: a fundação pode ser instituída por escritura pública ou testamento – art. 62, CC)

4.3. Forma contratual: a rigor, o negócio jurídico que não requer forma especial pode ser instrumentalizado por forma livre. Entretanto, se as partes estipularem que o negócio jurídico deve ser exteriorizado por instrumento público, vale a vontade das partes expressa na cláusula contratual.

·Forma ad solemnitatem: é aquela onde a forma se apresenta como sendo da essência do ato, ou seja, a vontade somente produzirá efeitos se for exteriorizada com a observância da forma exigida (ex: compra e venda de imóveis).

·Forma ad probationem tantum: a princípio a vontade poderá ser materializada sem a observância de qualquer forma, mas esta é necessária como elemento de prova.

Prova

1. Conceito

É o conjunto de meios empregados para demonstrar, legalmente, a existência de um negócio jurídico.

A matéria relativa à prova é estudada no Direito Civil (art. 212 e seguintes) e no Direito Processual Civil. O Direito Processual Civil estabelece as formas pelas quais os meios de prova ocorrem no processo.

Como provar o alegado?
Resposta: valendo-se de todos os meios em Direito admitidos.

Isto significa que a prova nada mais é do que um meio para se atingir um fim, que é determinar a existência de um negócio jurídico para buscar a produção de seus efeitos.

Sempre que o negócio jurídico reclamar forma especial, ela é a forma de prova. Se a forma for livre, podem ser utilizados todos os meios de prova. Entretanto, se um ato reclama escritura pública, somente esta prova a existência do negócio jurídico.

4. Requisitos dos meios de prova:

a) Devem ser admissíveis (inadmissibilidade das provas ilícitas)

b) Devem ser pertinentes (idôneas para demonstrar os fatos relacionados com a questão)

c) Devem ser concludentes (devem chegar a um resultado, qual seja, esclarecer pontos controvertidos ou confirmar alegações feitas).

5. Meios de prova

5.1. Confissão

Ocorre a confissão quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário.

Pode ser:

Judicial (no processo)

Extrajudicial (fora do processo)

Espontânea

Provocada

Expressa

Presumida

Elementos essenciais: capacidade da parte (213 e par. único do CC), declaração da vontade e objeto possível (não vale a confissão a respeito de direitos indisponíveis).

Se a ação versar sobre bens imóveis, a confissão de um cônjuge não valerá sem a do outro – at. 350, parágrafo único.

A confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro, dolo ou coação. – art. 214, CC.

5.2. Documento – público ou particular

Documentos Públicos são elaborados por autoridade pública, no exercício de suas funções (certidões, traslados, instrumentos).

Particulares são documentos elaborados por particulares (pessoas naturais ou jurídicas, através de seus representantes). Ex: cartas, telegramas, instrumentos

Documentos não são instrumentos públicos ou particulares. Estes são espécies de documentos.

Os instrumentos são espécies de documentos com a finalidade de servir de meio de prova (Ex: escritura pública, letra de câmbio).

Requisitos dos instrumentos públicos – art. 215, parágrafos e incisos, CC.

Obs.: LEIA TODOS OS ARTIGOS REFERENTES A DOCUMENTOS – ART. 215 AO ART. 226, CC.

5.3 Prova testemunhal.

As testemunhas podem ser instrumentárias (assinam documento) ou judiciárias (prestam depoimento em juízo).

O artigo 228, CC elenca em seus incisos quais as pessoas que não podem ser admitidas como testemunhas:

I. os menores de 16 anos;

II. o interessado no litígio, o amigo intimo ou o inimigo capital das partes;

III. os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade.

Parágrafo 1º: Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo.

Parágrafo 2º: A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhes assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva (redação cf. a Lei nº 13.146/2015)

5.4. Prova por presunção.

A presunção é um raciocínio lógico que se parte de um fato conhecido para outro desconhecido.

As presunções podem ser legais (juris) ou comuns (hominis).

As presunções legais podem ser: absoluta, ou seja, não se admite prova em contrário e presunção relativa, admite-se prova em contrário.

Exemplo: a posse do título de crédito pelo devedor faz presumir que o pagamento foi feito ao credor, uma vez que o credor só entrega o título ao devedor se este pagar a dívida (a presunção é relativa, pois admite prova em contrário).

Outro exemplo de presunção relativa: art. 1601, CC – o filho nascido na constância do casamento presume ser do marido. Tal presunção pode ser afastada mediante ação negatória de paternidade.

Exemplo de presunção absoluta: uma vez publicada a lei, há presunção absoluta do seu conhecimento por parte de todos, art. 3º da LINDB.

Outro exemplo de presunção absoluta: Se o devedor insolvente der garantia de dívida a algum credor, presume que é fraudatória ao direitos dos outro credores – (art. 163).

5.5.Perícia – 231 e 232, CC.

Há dois meios similares de prova: exame e vistoria, que são espécies de provas periciais.

Exame = apreciação de alguma coisa, por peritos, para auxiliar o juiz a formar a sua convicção (ex: exame grafotécnico, DNA).

Vistoria = trata-se de perícia restrita à inspeção ocular (comum nas ações demarcatórias, possessórias, etc.).

Pode ocorrer perícia destinada a perpetuar a memória de certos fatos que são transitórios (ex: marcas de carros ou de sapatos na lama). Tal vistoria é denominada ad perpetuam rei memoriam.

Importante: A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz (ex: não se submeter ao DNA na investigação da paternidade), poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame – art. 232. O STJ já decidiu: “a recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA, aliado à comprovação de relacionamento sexual entre o investigado e a mãe do autor impúbere, gera a presunção de veracidade das alegações postas na exordial (RSTJ, 135:315)”.

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MÓDULO 7.



Atos Ilícitos

1. Diferenciação entre antijuridicidade e ilicitude.

O Direito é um meio de organizar (ou controlar) a vida do ser humano em sociedade através da (s) norma (s) jurídica (s).

A norma jurídica é o instrumento do Direito. Ela diz como DEVE SER a conduta. Se a conduta está em conformidade com a norma, o ato é jurídico.

Logo, antijurídico é o ato que está em desconformidade com a norma jurídica regedora da conduta.

Saliente-se que um ato pode ser antijurídico, mas nem por isso ser ilícito.

A antijuridicidade deve ser analisada sob dois enfoques:

a) Enfoque objetivo da antijuridicidade

Objetivamente, a conduta viola preceitos ordinatórios, mas não produz dano ou viola direito subjetivo.

Ex: Alguém deseja transmitir algo (após a sua morte) para uma pessoa. Para tanto se vale do testamento. Este deve obedecer a certas formalidades legais, haja vista, ser um ato solene (negócio jurídico unilateral na formação). Se o testador não cumprir com as exigências legais, seu ato está em DESCONFORMIDADE com a norma e é, portanto, antijurídico.

A consequência é uma só: o testamento não produz efeitos, é nulo. O ato é tão somente antijurídico. Mas o testador não praticou ato ilícito, ou seja, não violou direito subjetivo, nem produziu dano. Não há, portanto, a obrigação de reparar o dano.

b) Enfoque subjetivo da antijuridicidade

O agente sequer praticou uma conduta, mas devido à imposição da norma é obrigado a indenizar.

Ex. O art. 1251, CC, trata da avulsão que é um meio de aquisição da propriedade imóvel. A avulsão é um fato jurídico strictu sensu (independe da vontade humana) e que provoca a aquisição da propriedade imóvel para uma pessoa em decorrência da perda da propriedade imóvel para outra pessoa. A avulsão decorre de uma força natural violenta que aumenta o curso d’água de um rio, fazendo com que uma porção de terra de um terreno situado à margem do rio se desloque e se agregue a outro terreno situado na margem oposta. Ressalte-se que os terrenos pertencem a donos distintos. Diz a norma da avulsão que o proprietário do terreno onde se agregou a porção de terra (aquisição da propriedade imóvel) deve aquiescer com o proprietário que perdeu a terra no sentido deste último poder retirá-la ou, então, INDENIZAR o proprietário prejudicado.

O ato ilícito reclama culpa (em sentido lato), dano e nexo causal entre o dano e a culpa.

O ato antijurídico é considerado ilícito quando pessoa capaz de entender e querer, violando norma jurídica por ação ou omissão culposa (sentido lato), lesa direito subjetivo de outrem, causando-lhe dano suscetível de avaliação pecuniária.

Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Assim, a violação do dever jurídico absoluto determinado pela norma jurídica, que traga prejuízo a alguém se configura como ilícito civil capaz de gerar uma obrigação, qual seja reparar o dano causado à vítima.

Saliente-se que o ato ilícito pode também se caracterizar como a violação de um dever jurídico relativo, ou seja, decorrente da vontade humana.

Nesta hipótese existe uma relação jurídica obrigacional entre as partes (relação jurídica originária). O eventual descumprimento obrigacional voluntário (absoluto ou relativo – mora) consiste num ato ilícito que faz nascer outra relação jurídica derivada, qual seja a responsabilidade contratual, cuja consequência jurídica é a mesma da responsabilidade extracontratual: reparar o dano causado.

2. Ilícito Civil e Ilícito Penal

Em tese, não há diferença entre o ilícito civil e o ilícito penal. Entretanto, a diferenciação feita pelo Direito reside na tutela do bem jurídico violado e também na consequência (sanção).

No ilícito penal, o agente infringe uma norma de direito público, sendo que o interesse lesado é o da sociedade.

No ilícito civil, o interesse diretamente lesado é o privado, e o prejudicado pode ou não pleitear a reparação.

A prática de ilícito penal gera uma consequência: pena (sanção penal).

A prática de ilícito civil gera uma consequência que é a obrigação de reparar o dano causado à vítima.

Desta forma, em regra, a prática de um ilícito penal gera a responsabilidade penal. Por sua vez, a prática de um ilícito civil gera a responsabilidade civil.

A responsabilidade penal e a responsabilidade civil proporcionam as respectivas ações (ação penal e ação civil).

A ação penal é exercível pela sociedade (representada pelo Estado) e tende à punição. A ação civil é exercível pela vítima (ou seus representantes) e tende à reparação.

Saliente-se que a prática de um mesmo ato ilícito pode ser analisada sob o prima civil e penal, gerando duas consequências: uma de natureza civil (reparação do dano) e outra de natureza penal (pena).

2.1. Qual a influência da sentença proferida na jurisdição criminal no juízo cível? E vice-versa; qual a influência de uma sentença proferida na jurisdição civil no juízo criminal?

Em regra, a sentença proferida no juízo cível não produz efeito na jurisdição criminal, porém a sentença criminal produz efeitos na jurisdição civil.

2.1.1. Sentença Penal Condenatória

Reza o art. 935, CC, 1ª parte: A responsabilidade civil é independente da criminal.

Por sua vez, o art. 91, I, do Código Penal, que trata de um dos efeitos genéricos da condenação, determina: Art. 91. São efeitos da condenação: I – torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime

A sentença penal condenatória transitada em julgado é título executivo judicial.

Conforme art. 63, do Código de Processo Penal: Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Assim, a sentença penal condenatória transitada em julgado – título executivo judicial - é meio caminho andado para se buscar a reparação do dano, uma vez ser desnecessário, no juízo cível, a busca de um título executivo judicial.

Importante: Sentença criminal – um mesmo crime pode ser praticado por duas pessoas = coautoria (art. 29, Código Penal: Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade).

                  Sentença civil – um mesmo ato ilícito pode ser praticado por mais de uma pessoa: solidariedade legal (Parágrafo único do art. 942).    

Lembre-se: a morte do agente, na esfera criminal, é causa extintiva da punibilidade – art. 107, I, do Código Penal. Recorde-se, ainda: pena é pessoal e não passa da pessoa do agente que praticou o crime.

Entretanto, na esfera cível, há a determinação legal da solidariedade em se tratando de responsabilidade civil.

      Vamos exemplificar?

Ricardo (17 anos de idade) e Roberto (vinte anos de idade), amigos, estudantes, motociclistas, ambos residentes na cidade de Indaiatuba, cada qual nas casas de seus respectivos pais, participaram de uma despedida de solteiro de um amigo comum, na cidade de Campinas. Na festa beberam além da conta. Ao retornarem para sua cidade de origem, os jovens, cada um dirigindo a sua moto, vieram a colidir com um automóvel da marca Fiat – modelo Uno. O ocupante do Uno sofreu ferimentos graves e o carro, de sua propriedade, restou completamente danificado. Por conta do acidente, Ricardo, um dos motociclistas, faleceu.

Roberto responde penalmente (tem 19 anos e é imputável) e civilmente.

Entretanto, a vítima do acidente, sabendo que Roberto não tinha rendimentos e, mais, que seus pais tinham pouquíssimos bens, resolveu acionar, civilmente, o pai ricaço de Ricardo, o jovem motociclista que tinha falecido no acidente. É possível tal ação?

Resposta: SIM. A vítima acionou o pai de Ricardo com fundamento no art. 942, parágrafo único cc. 932, I.

2.1.2. Sentença condenatória proferida pelo Tribunal do Júri, transitada em julgado, também não impede a ação civil de execução visando a reparação dos danos causados pela tentativa ou consumação do crime doloso contra a vida.

2.1.3. Sentença penal absolutória fundamentada em prova da inexistência do crime ou da autoria faz coisa julgada no juízo cível.

O art. 935, CC, diz: A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime.

Logo, a sentença penal absolutória que se fundamentou em prova de que o crime inexistiu ou em prova de que o réu não era o seu autor, faz coisa julgada no juízo cível e NÃO se pode ingressar com ação de reparação de dano.

Vamos exemplificar?

José e João trabalhavam por dez anos na farmácia de propriedade de Manoel. Numa determinada ocasião, Manoel percebeu que o estoque de medicamentos vinha diminuindo sem que tivessem sido vendidos. Um belo dia, José e João “pediram a conta”: desligaram-se da farmácia, associaram-se e resolveram abrir uma nova farmácia.

Por conta desses fatos, Manoel dirigiu-se a delegacia e, em decorrência de um boletim de ocorrência, no qual havia afirmado suspeitar que o estoque da segunda farmácia lhe pertencia, foi instaurado, pelo delegado, um inquérito policial. Com base no inquérito, o digno representante do Ministério Público denunciou José e João pela prática de furto qualificado.

Ocorre que, finda a instrução no processo criminal, o juiz absolveu os réus por inexistência do crime. O juiz inviabilizou que Manoel pleiteasse, no juízo cível, uma ação de reparação.

2.1.4. Sentença criminal absolutória por não existir prova de ter o réu concorrido com a infração penal.

O julgamento penal improcedente por falta de provas, não impede a reparação cível, pois na ação civil de conhecimento poderá haver a produção de provas.

2.1.5. Motivo peculiar ao Direito Penal

A morte do autor do crime produz a extinção da punibilidade – art. 107, I, Código Penal.

No juízo cível, os bens do responsável solidário ficam sujeitos à reparação do dano. Se a responsabilidade for contratual, a obrigação opera-se entre as partes, bem como entre os seus herdeiros.

3. Excludentes de ilicitude

Reza o art. 188, CC, e incisos que não constituem atos ilícitos:

I. os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II. a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

O art. 188, CC estabelece em repetição ao determinado pelo Código Penal, causas que excluem a ilicitude do fato, ou seja, a legítima defesa, o exercício regular do direito e o estado de necessidade.

Dispõe o parágrafo único do art. 188, que no caso do inciso II, o ato só será legítimo quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo o indispensável para a remoção do perigo.

Assim, pode ser que mesmo para remover perigo, alguém que destruiu coisa alheia, poderá ser obrigado a reparar o dano.        

4. Abuso de Direito – art. 187, CC

Comete ato ilícito o titular de direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes.

Razão da regra: reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos.

O abuso de direito prescinde da culpa e acarretará:

a) Obrigação de ressarcir danos causados a outrem.

b) anulabilidade do negócio jurídico feito sob coação (art. 153 cc 171,II).

c) Invocação da idade por menor relativamente incapaz, se dolosamente a ocultou (art. 180,CC).

Vários são os artigos que reprimem o abuso de direito em nosso Código:

Art. 1277 – uso anormal da propriedade.

Art. 939 – cobrança de dívida antes do vencimento (fora dos casos legais)

Art. 940 – cobrança de dívida já paga, no todo ou em parte.

Art. 1637 – Suspensão do poder familiar decorrente de abuso de autoridade dos pais (ou de um deles), faltando aos deveres ou arruinando os bens dos filhos.

Art. 1638 – Destituição do poder familiar devido ao castigo imoderado, ao abandono dos filhos, etc.
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MODULO 8

Prescrição e Decadência

1. Prescrição

1.1. Conceitos

Clóvis Bevilácqua: “É a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso dela, durante determinado espaço de tempo”.

Câmara Leal: “Extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”.

Pontes de Miranda: “Exceção que alguém tem contra o que não exerceu durante um lapso de tempo fixado em norma, sua pretensão ou ação”.

Orlando Gomes: “A prescrição é o modo pelo qual um direito se extingue em virtude da inércia, durante certo lapso de tempo, do seu titular, que, em consequência, fica sem ação para assegurá-lo”.

Assim como entre nossos doutrinadores, no direito comparado sempre houve falta de uniformidade de posição em relação ao conceito do instituto da prescrição.

O direito romano, assim como o medieval, tinha a prescrição como um fenômeno no plano processual, que afetava a ação (actio) e não diretamente o direito material. Seguindo essa linha, o direito alemão e o suíço evoluíram para a extinção da pretensão (anspruch), como o efeito do transcurso do prazo prescricional aliado à inércia do titular do direito violado. Por sua vez, o Código Italiano de 1942 declara a prescrição como causa de extinção do próprio direito.

O Código Civil vigente, na esteira do direito alemão, optou por conceituar a prescrição como perda da pretensão:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição,

Nas palavras de Maria Helena Diniz:

“Violado um direito nasce para o seu titular a pretensão (Anspruch), ou seja, o poder de exigir, em juízo, uma prestação que lhe é devida”.

A pretensão é, pois, o poder de exigir de outrem uma ação ou omissão e, desta forma, a prescrição revela-se como uma sanção para o negligente, que deixa de exercer seu direito de ação, dentro de determinado prazo estabelecido na lei, ante uma pretensão resistida.

Não é o direito subjetivo descumprido pelo sujeito passivo que a inércia do titular faz desaparecer, mas o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida que fica comprometida pela prescrição.

Desta forma, o direito subjetivo fica, em decorrência da prescrição, desguarnecido da pretensão, mas subsiste, pois, caso o devedor se disponha a cumpri-lo, não está autorizado à repetição do indébito (art. 882, CC). Vale lembrar, ainda, que se o devedor demandado não arguir a prescrição, o juiz não poderá reconhecê-la de ofício, salvo se favorecer o absolutamente incapaz (art. 194, CC).

Anteriormente, a prescrição era conceituada como a perda do direito de ação. Contudo, o direito de ação (ação formal ou processual) não se confunde com a pretensão (ação material). Esta é o poder de exigir de outrem uma ação que permite a composição do dano verificado em decorrência da violação de um direito.

O direito de ação processual é um direito subjetivo autônomo, de ordem pública, à prestação jurisdicional. Sendo assim, o titular de um direito prescrito não perde o direito processual de ação.

A violação de um direito subjetivo gera para seu titular a pretensão (poder ou faculdade de exigir de alguém uma prestação ativa ou omissiva). O exercício de tal pretensão se sujeita ao fator tempo (prazo legal), que findo, sem que o credor a tenha feito valer em juízo, provocará a prescrição.

A prescrição não extinguirá o direito material, mas cria para aquela pessoa a quem a prescrição beneficia (devedor) uma exceção. Se esta não for exercitada, o direito do autor será tutelado em juízo, a par de consumada a prescrição. Mesmo se a exceção for acolhida, em havendo o pagamento da prestação pelo devedor ou se este renunciar aos efeitos da prescrição, é como se o direito do credor jamais tivesse sido afetado pelo efeito prescricional.

Conclusão: Não é nem o direito subjetivo material, nem o direito processual de ação (ação formal) que a prescrição atinge, mas apenas a pretensão de obter a prestação devida por quem a descumpriu (actio romana ou em sentido material).

1.2. Requisitos da Prescrição

1.2.1. Violação do direito, com o nascimento da pretensão. Violado o direito pessoal ou real nasce a pretensão (ação material) contra o sujeito passivo. Caso este se recuse a atender a pretensão, nasce a ação processual, com a qual se provoca a intervenção estatal. É a pretensão (ação material) que prescreverá se o interessado não a mover.

1.2.2. Inércia do titular da ação por um período de tempo fixado em lei. A prescrição ocorre em virtude da inércia do titular que não exerce a sua pretensão no prazo fixado em lei. O prazo prescricional geral é, atualmente, 10 anos, conforme disposto no art. 205, CC, que será utilizado subsidiariamente, na ausência de prazos especiais, os quais encontram-se fixados no art.206, CC, ou em legislação extravagante.

1.2.3. Ausência de causas suspensivas, interruptivas ou impeditivas.

Causas interruptivas (art. 202 e 204 CC) são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo começa a correr a partir da data do ato que interrompeu ou do último ato do processo que a interromper.

Causas impeditivas são as que impedem o curso da prescrição. As mesmas causas, ora impedem, ora suspendem a prescrição (art. 197 ao art. 201, CC). Se o prazo ainda não começou fluir, a causa do obstáculo impede que comece (ex; a constância da sociedade conjugal). Se, entretanto o obstáculo (casamento) surge após o prazo ter se iniciado, dá-se a suspensão. Nesse caso, somam-se os períodos, isto é cessada a causa de suspensão temporária, o lapso prescricional volta a fluir somente pelo tempo restante.

1.3. Princípios da prescrição

1.3.1. Matéria de ordem pública: As regras prescricionais, ainda que relacionadas aos direitos subjetivos de ordem privada, não comportam alteração (imperatividade absolutamente cogente). É que a matéria envolve a paz social, não podendo ficar entregue ao livre jogo da conveniência das partes.

1.3.2. Admissibilidade de renúncia: A prescrição pode ser renunciada, desde que tenha sido consumada (art. 191, CC). A renúncia prévia da prescrição, assim como da prescrição em curso, torna a ação imprescritível, não sendo admitida. A renúncia pode ser expressa, quando há declaração nesse sentido, ou tácita, que se caracteriza por comportamentos reveladores da intenção de renunciar (ex: devedor, ciente da prescrição, efetua o pagamento ou oferece garantia ao credor). A renúncia não pode prejudicar interesse de terceiro (ex: caso o devedor esteja em situação econômica precária e tendo outros credores, não poderá renunciar o direito de invocar a prescrição em ação judicial movida por outro credor).

1.3.3. Inadmissibilidade de alteração dos prazos prescricionais – O art. 192, CC, inexistente no Código Civil revogado põe fim à polêmica doutrinária sobre a possibilidade de redução dos prazos prescricionais. A doutrina e a jurisprudência sempre foram unânimes em admitir que as parte não podem convencionar a ampliação do prazo prescricional (disfarce da renúncia). Quanto à diminuição, sempre houve argumentos favoráveis, uma vez que se ajusta à finalidade do instituto – manutenção da ordem pública. Pelo “Codex” atual, os prazos prescricionais são inalteráveis. Os prazos da prescrição não podem ser alterados por acordo das partes; a proibição abrange tanto a ampliação como a redução.

1.3.4. Decretação de ofício ou alegação por aquele a quem aproveita a prescrição – O art. 193 dispõe que a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita. O referido dispositivo significa que a prescrição pode ser alegada em primeira ou em segunda instância, em qualquer fase do processo, ainda que o réu tenha deixado de invocá-la na contestação (a sua não alegação não significa renúncia tácita).

O art. 193 reza que a prescrição pode ser alegada pela parte a quem aproveita. Sendo assim, não é apenas o devedor principal (ou devedores) que tem interesse em alegar a prescrição. Podem alegá-la, os devedores-garantidores, os credores do devedor insolvente, o responsável pela evicção etc.

Em 16.2.2006, a Lei nº 11.280 revogou o art. 194, que estabelecia que o juiz não podia julgar extinto o processo de ofício, fundado na prescrição da pretensão do direito de ação, salvo se para beneficiar ao absolutamente incapaz. Tal regra tinha como fundamento o princípio da eticidade: se o devedor não alegava a prescrição em juízo, presumia-se que ele não queria se eximir de uma responsabilidade sem o exame de mérito.

Hoje pode ser decretada de ofício a prescrição.

1.4. Pretensões imprescritíveis

            A prescritibilidade é a regra, a imprescritibilidade é a exceção. São imprescritíveis as pretensões que se exercem por meio de ações declaratórias e mediante ações constitutivas sem prazo fixado em lei.

Exemplos:

* Direitos da personalidade – direito à vida, à honra, à liberdade, etc.

* Direitos relativos ao estado da pessoa – filiação, condição conjugal, cidadania.

* Bens públicos

* Bens confiados à guarda de outrem, a título de penhor, mandato ou depósito.

* Direitos potestativos (inexistência de direito violado). Ex: a pretensão do condômino de a qualquer tempo exigir a divisão da coisa comum (art. 1320), de pedir-lhe a venda, ou a meação de muro divisório (artigos 1297 a 1327)

* A exceção de nulidade

Saliente-se que conforme entendimento do Professor Caio Mário da Silva Pereira, citado pelo mestre Carlos Roberto Gonçalves, “a prescrição fulmina todos os direitos patrimoniais, e, normalmente, estende-se aos efeitos patrimoniais de direitos imprescritíveis, porque estes não se podem extinguir, o que não ocorre com as vantagens econômicas respectivas”.

Cite-se como exemplo os direitos de personalidade. As pretensões relativas a tais direitos não prescrevem, mas a de obter vantagem patrimonial em decorrência de sua ofensa é prescritível. (art. 206, § 3º, V).

1.5. Prescrição e institutos processuais afins: preclusão e perempção

A preclusão e a perempção são institutos jurídicos processuais que guardam semelhança com a prescrição, mas que com ela não se confundem. A semelhança reside no fator tempo, ou seja, lapso de tempo e as diferenças estão expostas a seguir:

Preclusão é a perda da faculdade processual, por não ter sido usada no momento próprio. Ela impede que questões já decididas, na mesma ação, sejam renovadas. Só produz efeitos no processo da qual advém. (Ex: o réu tem 15 dias para contestar a ação). Conforme palavras do eminente processualista Professor Humberto Theodoro Júnior: “Justifica-se a preclusão pela aspiração de certeza e segurança que, em matéria de processo, muitas vezes prevalece sobre o ideal de justiça pura e absoluta”.

Perempção é a perda do direito de ação pelo autor contumaz, que deu causa a três arquivamentos sucessivos. O direito material do autor não se extingue, nem a sua pretensão, mas só podem ser opostos como defesa, desde que o adversário proponha uma ação versando sobre o mesmo fato.

A prescrição extingue a pretensão, que é a exigência da subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. Quando um direito é violado, nasce a pretensão que é deduzida em juízo por meio de uma ação. Extinta a pretensão, não há ação. Logo, a prescrição ao extinguir a pretensão, extingue a ação. Contrariamente, a perempção não extingue a pretensão, só a ação. O direito material e a pretensão podem ser opostos em defesa.

1.6. Inovações sobre a prescrição no Código Civil - 2002.

1.6.1. Disposições gerais

Na seção relativa às disposições gerais, o Código Civil vigente, conserva muitas regras que se faziam presentes na lei revogada, trazendo, contudo, três inovações:

a) Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os art. 295 e 206.

Ressalte-se que não se trata de uma novidade, mas apenas uma nova forma de dizer, considerando o que estava disposto no art. 75 do Código – 1916 (A todo direito corresponde uma ação, que o assegura) em cotejo com as regras elencadas dos art., 177 ao 179 do diploma legal anterior.  

b) Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo que a pretensão.

A inclusão desse artigo reflete a construção pretoriana sobre a matéria.

c) Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.

Reitere-se o que já foi comentado: Veda-se o pacto a respeito dos prazos prescricionais, uma vez que a regra, em questão, é de imperatividade absoluta (matéria jus cogens).

1.6.2. Causas suspensivas:

Na seção relativa ao disciplinamento da suspensão da prescrição, outra “novidade”:

Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não ocorrerá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

1.6.3. Causas interruptivas: o prazo volta a correr do início.

No que concerne às causas interruptivas, merece destaque a inclusão do protesto cambial como meio de se interromper a prescrição – art. 202, III.

1.6.4. Prazos

Quanto aos prazos, a Lei Civil atual, em seu art. 205 trata da prescrição ordinária ou comum, alterando substancialmente o disposto no art. 177 do Código Civil de 1916, uma vez que estabelece o prazo único de 10 anos (para pretensões obrigacionais ou reais), salvo se a lei fixar prazo menor.

Em relação à prescrição especial, podem ser constatadas as seguintes alterações:

1ª) O prazo especial passa a ser anual, trienal, quadrienal e quinquenal (art. 206, §§ 1º a 5º).

2ª) Os parágrafos constantes do Código Civil de 1916 e ausentes na relação do art. 206 do Código Civil vigente, sempre foram entendidos pela doutrina como decadenciais.

3ª) Modificação de prazos prescricionais, para mais ou para menos, em diversas pretensões já relacionadas no Código Civil de 1916.

Código Civil 1916                                                               Código Civil 2002

Art. 178, § 10, I                                                         Art. 206, § 2º

Prescreve em cinco anos as prestações alimentícias  Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.

Art. 178, § 10, IV                                                     Art. 206, § 3º, I

Prescreve em cinco anos os alugueres de prédio                 Em três anos, a pretensão relativa a aluguéis de prédios

rústico e urbano                                                                    rústicos e urbanos    

Art. 178, § 6º, VI, IX, X e § 7º, III e IV                             Art. 206, § 5º, II

Prescreve em um ano                                                           Em cinco anos a pretensão dos profissionais                                                                                  liberais em geral, procuradores judiciais,

                                                                                  curadores e professores pelos seus honorários,

                                                                                  contado o prazo da conclusão dos serviços,

                                                                                  da cessação dos respectivos contratos ou mandato.

A ação de professores, mestres ou repetidores de ciência...

pelas lições que derem, pagáveis por períodos não

excedentes a um mês

A ação dos médicos, cirurgiões ou farmacêuticos ...

A ação dos advogados, solicitadores, curadores, peritos,

procuradores judiciais...

Prescreve em dois anos

A ação de professores, mestres ou repetidores de ciência...

cujos honorários sejam estipulados em prestações

correspondentes a períodos maiores de um mês...

A ação de engenheiros, arquitetos, agrimensores... por

seus honorários, contado o prazo no termo dos seus

trabalhos.

4ª) Determinação de prazos especiais para determinadas pretensões (muitas delas, sob a égide do Código anterior prescreviam no prazo geral de vinte anos).

Art. 206. Prescreve:

§ 1º Em um ano:

IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo.

V- a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.

§ 3º Em três anos:

IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

V – a pretensão de reparação civil;

VI – a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;

VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:

a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;

b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar conhecimento;

c) para os liquidantes, da assembleia semestral posterior à violação

VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;

IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório;

§ 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.

§ 5º Em cinco anos:

I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

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Decadência

2.1. Conceito

A decadência é a extinção do direito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo estabelecido na lei ou fixado voluntariamente para o seu exercício.

O objeto da decadência são os direitos potestativos de qualquer espécie, disponíveis ou indisponíveis, que conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenas uma sujeição.[1]

Direitos potestativos são direitos sem pretensão, uma vez que insuscetíveis de violação. A eles não se opõe um dever de quem quer que seja, mas uma sujeição de alguém (ex: o direito de certa pessoa em anular um negócio jurídico por vício de consentimento não pode ser violado pela parte a quem a anulação prejudica. Tal pessoa está apenas sujeita a sofrer as consequências da anulação decretada pelo juiz , não tendo dever algum que possa descumprir.[2]

Conforme Maria Helena Diniz:

O objeto da decadência é o direito que, por determinação legal ou por vontade humana unilateral ou bilateral, está subordinado à condição de exercício em certo espaço de tempo, sob pena de caducidade.

2.2. Espécies

a) Legal

Quando resulta da vontade estatal.

Exemplos: art. 445, CC (vícios redibitórios).

Art. 26 e parágrafos, Lei 8078/90 – CDC (vícios aparentes e ocultos).

b) Convencional

Quando resulta da vontade humana. Ex: prazo decadencial disposto em testamento ou no contrato.

2.3. Decadência no Código Civil – 2002.

O Código Civil de 1916 não se referia explicitamente à decadência e, comumente, levava o operador do direito a confundir o instituto da prescrição com o da decadência, por terem um traço comum que é o decurso do tempo aliado à inércia do titular do direito.

O Código Civil vigente, no título IV, do livro III dedica o capítulo I à prescrição e o capítulo II à decadência.

Os prazos prescricionais especiais encontram-se discriminados no art. 206, §§ 1º a 5º. Todos os demais prazos constantes do diploma legal vigente, na parte geral (ex. art. 26; art. 45; art. 45, parágrafo único; art. 178, I, II e III e art.179) e na parte especial (ex; art. 505; art. 1560; art. 445), tratam-se de lapsos temporais decadenciais.

Saliente-se que o Código Civil, no capítulo dedicado à decadência trata de enumerar somente as regras gerais atinentes ao relativo instituto. São elas:

a) Inaplicabilidade das causas suspensivas, impeditivas e interruptivas da prescrição à decadência convencional e, em regra, à legal – art. 207

Com relação à decadência decorrente da lei, somente expressa disposição legal contrária tem o condão de permitir a sua aplicação – art. 207, a contrario sensu. Cite-se como exemplo a disposição contida no CDC em seu art. 26, § 2º, que autoriza a interrupção ou suspensão do prazo decadencial.

b) Dever do juiz em conhecer “de ofício” a decadência emanada da vontade estatal (art. 210), ainda que se trate de direitos patrimoniais. A decadência convencional, semelhantemente à prescrição, deve ser alegada por quem a aproveite (interesse jurídico), podendo alegá-la em qualquer grau de jurisdição – art. 211.

c) Aplicabilidade das disposições contidas no art. 195 e 198, I, relativas ao instituto da prescrição, conforme regrado no art. 208. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais que derem causa à decadência. E mais, a decadência não corre em relação aos absolutamente incapazes referidos no at. 3º.

d) Impossibilidade da renúncia da decadência fixada em lei – art. 209. Contudo, se o prazo decadencial para o exercício de determinado direito for fixado pelas partes, nada obsta a renúncia.

A irrenunciabilidade da decadência fixada em lei é questão de ordem pública e as partes não podem afastar a incidência da regra. Na decadência convencional, as partes podem pactuar diversamente. Ex: Na retrovenda, as partes podem estabelecer o prazo para o resgate inferior ao estabelecido em lei. Caso as partes renunciem ao prazo por elas estabelecido, o mesmo prorroga-se para aquele fixado na norma (três anos).

3. Distinção doutrinária entre prescrição e decadência

Prescrição é expressão ambígua que, em sentido largo, compreende a decadência, e, em sentido estrito contrapõem-se a esta. Quando se diz que certo direito é imprescritível, isso significa que nem a prescrição (em sentido estrito), nem a decadência podem importar seu desaparecimento[3].

A doutrina estabeleceu, didaticamente, a distinção entre os dois institutos:

1ª) A prescrição extingue a pretensão alegável em juízo por meio de uma ação, fazendo desaparecer, por via oblíqua, o direito por ela tutelado. A decadência extingue o próprio direito pela falta do seu exercício dentro do prazo prefixado pela vontade do estado ou por intermédio da vontade humana.

2ª) A prescrição supõe direito já exercido pelo titular, enquanto que a decadência supõe um direito ainda não exercido pelo titular.

3ª) Os prazos prescricionais são fixados por lei, ou seja, o exercício da pretensão em juízo deve ser exercido em prazo prefixado legalmente, não podendo ser alterado por acordo entre as partes. Por sua vez, os prazos decadenciais podem ser determinados pela vontade do Estado (prazo legal) e também pela vontade humana (vontade unilateral e bilateral).

4ª) A prescrição implica numa ação, com origem distinta da do direito, tendo, pois, nascimento posterior a ele. A decadência supõe uma ação cuja gênese é idêntica à do direito, haja vista nascerem simultaneamente.

5ª) A prescrição pode ser renunciada pelo prescribente, desde que tenha sido consumada. A decadência decorrente de prazo fixado em lei não pode ser renunciada, nem antes, nem depois de consumada.

6ª) A prescrição atinge as ações condenatórias, uma vez que as mesmas protegem direitos dos quais irradiam pretensões (prestações sujeitas à violação ou lesão). A decadência atinge as ações constitutivas (positivas ou negativas) com prazos fixados em lei, ou seja, que se referem a direitos sem pretensão (sem prestação) que não podem ser violados. O prazo decadencial se refere a um direito que deve ser exercido por mero ato de vontade, independentemente de atuação de terceiro.

3.2. Quadro Comparativo

Prescrição e Decadência

1. A prescrição supõe direito já exercido pelo titular. 1. A decadência pressupõe um direito que não foi exercido.

2. Extingue apenas a pretensão alegável em juízo. 2. Extingue o próprio direito.

3. Implica numa ação com origem distinta do direito, 3. Gênese simultânea do direito e da ação.

tendo nascimento posterior a ele.

4. Prejudica só o tipo de ação em que foi arguida, 4. Prejudica todas as ações possíveis.

podendo o direito ser pleiteado por outra via, se

houver.

5. O prazo prescricional é fixado somente por lei 5. O prazo decadencial é estabelecido por lei ou por vontade unilateral ou bilateral.

6. Pode ser renunciada, desde que consumada 6. Decadência legal não pode ser renunciada, nem depois de consumada.

7. É sujeita à às causas de impedimento, suspensão e 7. Somente por disposição legal pode ser impedida, suspensa interrupção. ou interrompida.

8. Incide nas ações onde se exige uma prestação, ou 8. Incide nas ações em que se visa a modificação de uma

seja, ações condenatórias situação jurídica, ou seja, ações constitutivas (positivas ou

negativas) com prazo fixado em lei.

9. Aplica-se o prazo geral, na falta de prazo especial 9. Só tem prazos especiais e expressos; não há prazo geral

Diferenciações práticas entre prescrição e decadência no Código Civil

O Código Civil anterior englobava os prazos extintivos sob o nomen iuris de prescrição e, sendo assim, eram regidos literalmente pelos mesmos princípios e regras.

Considerando que a lei não pode contraria a natureza das coisas, a doutrina e jurisprudência tiveram de assumir a tarefa de distinguir quais eram os prazos ditos prescricionais no texto da lei, daqueles que, embora assim rotulados, representavam, na verdade, casos de decadência.

Por falta de parâmetros legais, a distinção doutrinária pátria entre os dois institutos redundava, quase sempre, em controvérsias, uma vez que, buscando inspiração no direito comparado, nunca conseguiu uniformidade em suas posições a respeito da matéria.

Reitere-se que o direito alemão buscou a fundamentação para o conceito da prescrição no direito romano. Neste, o aludido instituto era tido como um fenômeno do plano processual, que afetava a actio e não diretamente o direito material. Por sua vez, o direito italiano (Código Civil Italiano – 1942) declara que a prescrição extingue o próprio direito.

Entre nossos doutrinadores nacionais, estabeleceu-se uma divisão entre os que se mantinham fiéis às tradições romanas, por defenderem a prescrição como causa de extinção apenas da ação e os que qualificavam como causa de extinção dos próprios direitos. O Código Civil se posicionou e optou por conceituar a prescrição como a perda da pretensão, em seu art. 189.

Por fim, saliente-se que A Lei Civil, no Título IV, do Livro III, da Parte Geral, dedica o Capítulo I à prescrição e o Capítulo II à decadência.

Na aludida norma jurídica os prazos de prescrição da pretensão, ou seja, prazos prescricionais encontram-se discriminados nos art. 205 (prazo ordinário ou geral) e 206, §§ 1º a 5º (prazos especiais).

Todos os demais prazos constantes no Código Civil vigente, dispostos na parte geral (ex. art. 26; art. 45; art. 45, parágrafo único; art. 178, I, II e III e art.179) ou na parte especial (art. 505; art. 1560; art. 445, etc.), são considerados decadenciais.

Direito Intertemporal

Como já analisado, o instituto da prescrição sofreu uma considerável alteração no que se refere aos prazos. O prazo geral foi uniformizado para dez anos, quando a lei não lhe houver fixado prazo menor (art. 205). No que se refere aos prazos especiais elencados no art. 206, observa-se que ocorreram reduções (ex: art. 206, § 2º e 206, § 3º, I) e um aumento (art. 206, § 5º, II) nos lapsos temporais da prescrição.

Recorde-se, exemplificativamente, que sob a égide do Código anterior, o prazo para se exercer judicialmente a pretensão da reparação civil era de vinte anos. Atualmente tal prazo é de três anos. Ou seja, por demais exíguo, podendo ser insuficiente para ação de reparação.

Diante de tal constatação surge uma indagação: como conciliar os prazos em andamento com a entrada em vigor dos novos prazos do Código Civil de 2002?

Prevendo essa hipótese, o legislador inseriu no artigo 2028 uma regra de transição, determinando a aplicação dos prazos antigos para os prazos em andamento quando da entrada em vigor do novo Código. Dispõe o mencionado artigo:

Art. 2028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Prescrição. Ação de reparação de danos. Jornada STJ 50: A partir da vigência do novo Código Civil, o prazo prescricional das ações de reparação de danos que não houver atingido a metade do tempo previsto no Código Civil de 1916 fluirá por inteiro, nos termos da nova lei (art. 206)”.

A maioria dos doutrinadores vem entendendo que são exigidos dois requisitos para aplicação do prazo antigo estabelecido no Código revogado: a) que tenha ocorrido diminuição do prazo prescricional no Código de 2002; b) que tenha ocorrido o transcurso de mais da metade o lapso temporal previsto no Código de 1916.

Contudo, há entendimento que essa interpretação pode resultar numa manifesta inconstitucionalidade do artigo 2028, uma vez que viola o direito de igualdade, outorgando prazos maiores para o inerte credor - que deixou passar mais da metade do prazo – e prazos menores para os credores em que o lapso não transcorreu pela metade

Para salvar a lei da inconstitucionalidade, sugere-se uma nova leitura ao dispositivo em questão, aplicando-se o prazo antigo em duas situações distintas: a) em todos os prazos diminuídos pela nova Lei; b) em todos os prazos que – na data da entrada em vigor do Novo Código – já houver transcorrido mais da metade do tempo.



[1] Amaral, Francisco, obra citada por Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, op. Cit. pág. 482

[2] Alves, José Carlos Moreira, idem, pg. 483.

[3] Coelho, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Civil, Vol. 1, 1ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003, p. 372.